sábado, 18 de setembro de 2010

Conversa de sábado

Para minha amiga Rosa Kapila - estrela maior da literatura brasileira.

Nem me fala estas bobagens
Que de amor, se vive mais do que se morre...
Não é mais romântico morrer de amor...
Nem por bunda loira,
Nem por bunda morena,
Se deve morrer de amor.
Ao invés disto, amiga,
Vamos conversar no telefone,
E falar tudo sobre aquele sapo jururu da beira do rio,
Por quem você está apaixonada...
Vamos ler a carta de amor, tão linda, que mandastes prá ele,
Ainda sem resposta...
Não me pergunte o quê não queres ouvir...
Prá que saber se ele vai ligar ou não?
E eu sei? Não tenho bola de cristal não...
Se tivesse, a usaria para descobertas científicas,
Ou para me dar respostas sobre meus próprios amores...
Que egoísmo... me perdoe...
É coisa de gente viva,
Porque nunca vi morto ser egoísta,
Até pode ter sido, e muito, quando estava vivo...
Mas depois que morre,
Os defuntos viram santos.
Já reparou, amiga?

E esta solidão de sábado à noite?
Mas temos nossa amizade,
E conversando de mãe prá filha,
Amizade é melhor do que amores fulgázes,
Que partem, quando deviam permanecer.

Eu quero um amor assim,
Que fique comigo,
Que me ache uma princesa escondida,
Uma Chava Sarah,
Mas sou mais prá mulher estabanada,
Criança desavergonhada
Que erra
Sem saber porque.

Se perderes todos os amores que lhe são caros,
Ainda tens o melhor.
Tu conservas a inspiração, o estranhamento,
E canaliza para um poema.
A poesia lhe habita, amiga.
Faça culto à ela.

Se perderes um a um todos os homens que amastes,
Assim como perdestes tempo na vida,
Negando o próprio desejo,
Ainda tens a própria vida,
E seu filho
E sua família,
E nossa amizade,
E nossa escrita,
Perdeu nada.
Ganhou inspiração,
Porque só podes perder aquilo que tens
E não podes perder um homem,
Porque ninguém é de ninguém.  

Cicatriz

Para todas as mulheres maravilhosas que abrem suas veias e deixam jorrar verdades...


Será que uma mulher precisa ser esguia para ser tornar poeta famosa?
Se eu precisar ser magra e alta tal Anne Sexton...
Ter uma histeria inata,
Um sex appeal incontrolável...
Daquele que canaliza quem lê para a página aberta...
Estou perdida.

Porque não sou alta,
Nem magra.
Minha coluna é torta;
Mas tão torta que nem operação de cima a baixo,
Deu jeito,
E fiquei adernando... tal navio no meio do mar, perdido, sem saber prá que lado vai...
E foi por isto que chorei num museu em Londres,
Quando ele me acusou:
“Mas você é torta!”
Sim, sou torta,
Que fique bem claro aqui,
Sou muito torta.
Nesta encarnação e em todas as próximas encarnações em que eu vier
Porque este tronco dentro de mim,
Não conhece direção certa e cresce perdido, procurando o sol...
Vai prá um lado errado... corrige, volta pro outro... corrige... e assim vai...
Vai crescendo, subindo e formando essa escoliose dupla
E a corcunda que, atônita, assisti a se formar em minhas costas.

O anão marginal me capturou porque odiei-lhe a corcunda.
Odiei ver nele aquilo que era meu,
A corcunda disforme,
Meu segredo maior, que teimava em me avassalar,
Que tirei com dor de bisturi profundo,
Martelo, serrote, músculos que se soltavam e litros de sangue esvaídos e recebidos .
Dor que explodia dentro de mim,
Cicatriz nas costas inteira e na alma. Inteira.
Foi quando eu não fui forte nem para abrir meus olhos,
Nem para me olhar no espelho,
Nem para pensar...
Foi naquela semana que eu chorei de alegria
Por um banho;
Um simples banho,
A água me lavando,
e eu queria que ela levasse as dores, as angústias, a solidão.
Mas aquela solidão de hospital insistia em permanecer.
Insistiu,
E foi ficando e ficou por tanto tempo...
Que me tornei poeta,
Só prá poder falar doidamente,
Desta solidão que eu quero estrangular.