segunda-feira, 28 de maio de 2012

De chegadas e partidas


Parto como quem chega
Deste porto que foi meu abrigo
E esperança
Do porto que me tornei.
Sou gaivota e peixe, nó e corda,
Água e barco.
Parto como quem chega.
Partida e chegada,
Sempre, o mesmo porto.
Sempre, a mesma dor.
Deixo este porto carregada de rosas
E chego a mim,
Aonde nenhum navio nunca chegará,
Pois nem eu sei onde fica.

Silvana Pimentel Batista

Descansem caminhos


Descansem, Caminhos,

sob os meus pés

Ralem pedras,

Respirem seixos,

Sob as aragens da noite.



Descansem, Caminhos nus,

Solitários

Sob meus pés cálidos.


Caminhem, Caminhos,

Antes que passe o tempo

E leve meus pés.


Cheguem, Caminhos,

Para que eu beije

Seus cabelos de relva

E asas de passarinho.


Descansem, Caminhos,

Sob o sol

E lua que brilha,

Minha.  Sua.

De toda a gente que sente

O fumegar do sangue

Nos corações dos amantes.



Descansem sob os meus pés, Caminhos,

Que a estrada é comprida

E falta pé

Para tanto caminhar.

Só as araras azuis são felizes

Só as araras azuis são felizes
Felizes são porque sabem esperar
Esperam a passagem do tempo,
Que as come, que come a todos,
Mas elas não sabem que esperam
E pousadas no mourão
Esperam em fila,
Se exibem e
Esperam com calma,
A sinfonia da lua.

Só as araras azuis são felizes,
Porque são azuis
E não vermelhas,
Porque possuem a calma dentro delas,
E não são vermelhas feito eu,
Que ardo nas minhas próprias chamas do
Desejo.

Desejo sim,
Desejo ser azul,
Ser verde,
E saber esperar,
Esperar que o desejo passe,
Sem querer voar.

Vai desejo, vai embora,
Some,
Sai de mim, desarvora,
Vai voar em outra freguesia,
Que agora
Pouso no azul e no verde
E simplesmente sou.
 

domingo, 27 de maio de 2012

Do olhar e do amor


As formigas caminham nas trilhas de açúcar
A caneca de café festeja a minha boca,
E me avisa:
Um dia de cada vez.

Um cachorro late,
Outro cachorro uiva pensando ser lobo. 
A montanha verde escura emerge da noite,
Querendo reter a escuridão,
Quando os pássaros já celebram o dia.
 Há um jardim embaixo da minha varanda,
Uma montanha atrás do jardim
E a orquídea que ganhei de aniversário ainda está em flor.
Na pequena horta fecundam-se a hortelã, o manjericão e alecrim,
E os pássaros cantam.
Eu contemplo e amo a tudo:
A trilha das formigas, o jardim, o jasmim, as orquídeas, as violetas, o latido do cão, a montanha , os pássaros, os aviões, a caneca de café, o cheiro do café, o pão com passas e canela.

Amo. Amo a tudo o que vejo,
as ondas do mar,
O voo dos pássaros,
De todos os pássaros,
E, devo confessar,
Amo mais as gaivotas, porque elas amam o próprio voo.

Amo a tudo e a todos,
E ao mar, porque ele se assemelha a ti,
Amo as árvores por que sou selva,
Amo a água porque rio caudaloso sou,
As veias do meu corpo correm e descem para o mar,
E o mar, em maré alta, sobe para me encontrar,
Me dá um abraço
E beija as minhas águas como quem seca um pranto.

Estes seus olhos

Estes seus olhos que sussurram
Com a maciez aveludada dos pêssegos,
e perfume do jasmim,

Ah, estes seus olhos que em sonhos beijo
E toco com dedos de chuva
Estes seus olhos que possuem aroma:
Os seus olhos cheiram à liberdade,
Cheiram a roseiral,
São pétalas de azaléias que correm soltas num riacho cristalino,
Plantadas em campo vasto,
Neste seu campo castanho,
onde plantei ternura,
Onde pisei completamente nua
Sem saber que seus olhos me observavam;
Neste campo que é grande,
Onde o sol aparece para beijar seus olhos
Porque até o sol respeita
Estes seus olhos imperiais,
Que eu amo.

Quando você chegar,
Ama-me de olhos abertos.

De palavras, silêncios e incêndios

Pisei palavras
Engoli as palavras que andavam por aí
Esmagadas pelo vento,
No gesto que não fiz
No beijo que neguei.

Nunca me arrependi dos beijos que dei,

E daquele que não beijei, sempre me lembro.
Quando chovia
E ele me queria
E eu o queria
Mas cada um por si
Cada um fingia.

E me pergunto agora: Para que?

Nunca me arrependi das palavras que disse,
Ternuras expressadas
Amores revelados,
Palavras são crianças necessitadas de carinho,
São mulheres e homens em noites de amor
Descuidadamente libertos pelo ato.

Apenas uma certeza me consome:
As palavras que não pronunciei me incendeiam.

Silvana Pimentel Batista

Só eu

Homenagem a Fernando Pessoa

Nunca conheci uma mulher admitisse ter sido ridícula,
Nunca conheci um ser que tenha sido enganado,
Que me falasse a verdade sobre si mesmo
Nunca conheci ninguém que expusesse suas cicatrizes.

Só eu fui ridícula,
Só eu fui fraca,
Só eu fui boba,
mil vezes ingênua,
Só eu confessei meu amor exagerado,
Mil vezes enganada
Mil vezes não amada.

Só eu ouvi as gargalhadas daqueles que me enganavam
Eu que fui um dia advogada de grandes causas,
Quero agora advogar a causa maior
o amor
(Porque o amor é sempre a maior causa do mundo)

Eu que expus publicamente minhas cicatrizes 

como quem expõe suas telas de pintura
Eu que sempre perdi
Eu que muito menti
Eu que tanto enganei
Enquanto mais me enganava
Eu que colecionei lições
Eu que extraí força da lama que me atiraram
Eu que tanto aprendi
E me valorizei
Eu me fortaleci nesta história longa chamada vida,
Onde o amor é um belíssimo tesouro oculto.


Silvana Pimentel Batista

terça-feira, 1 de maio de 2012

Dos cheiros e de nós


Penso em nós
E no amor que fizemos tantas vezes,
Que nem saudade deixou,
E só nós dois sabemos o por quê.
Penso em olhar-te novamente
Admirar-te
Brincar contigo
Fazer-te cócegas como quem beija
Cheirar-te todo,
Depois que retirar do teu corpo
Todos os jasmins que nele depositarei
Quando restará na tua pele apenas
O odor da flor branca.

Penso em ti
E no invisível instante
Da escolha.

Um amor verdadeiro não se escolhe com o olhar,
Encontra-se na palavra INFINITO.

O que permanece baila atrás dos corpos.
Por isto tu me procuravas e
Mesmo quando
Não me convocavas,
Tu me encontravas, por que
Encontra-se o amor no território das almas.
Numa região onde se sabe
Sente-se,
Conhece-se e
Reconhece-se apenas
Pelas coisas do coração.

por Silvana Pimentel Batista