segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Profecia

Por Silvana Pimentel Batista

O profeta me disse:
Ideal é viver sem ansiar o prazer,
Mesmo que se o queira,
Como desejas ter sabedoria de mágico.

Coisa boa é deixar andar a vida,
Calmamente,
Fazendo aquilo que se quer,
Sem o querer demais.

Viver é equilibrar-se, de salto alto, no meio do asfalto fumegante.
Quisera transformar serpentes douradas,
Em pombas brancas.
E sementes secas de abóboras em manjares
Para alimentar todos os convidados na festa de meu aniversário.

Então, com os olhos arregalados de viajante faminta, pergunto ao profeta:
É isto mesmo? Eu entendi direito?

Viver é deixar passar?
Deixar de decidir?
Evitar a ansiedade a todo custo?
Evitar o prazer real?
Por medo,
Medo de querer
E se envolver,
E ansiar?

domingo, 24 de outubro de 2010

Feixe de estrelas

Por Silvana Pimentel Batista

Queria ser capim,
Pro gado comer,
Mastigar, regurgitar, engordar.

Teria assim alguém por perto,
Sempre,
Mesmo que fossem só vacas prenhas e touros.
Seria assim vital para alguém.

E esta faca cortante
Que ataca as minhas manhãs,
Atravessa o meu dia,
Não existiria mais,
Porque eu seria importante para alguém,
Nem que fosse para as minhas vacas.
Nem que ficasse castigada pelo sol queimante,
Pisada pelas patas dos gigantes devastadores,
Eu não viraria erva,
Erva daninha.

Carrego o peso de um navio.
O desamor me acompanha e sinto uma enorme pena de mim mesma,
Esta solidão que me flagela há séculos,
Desde que fui escrava no Egito,
 nunca vai acabar.

É um olho torto,
A coluna entortou mais,
O aneurisma pode rebentar a qualquer hora.
Vida dura essa de quem vive.

Não quero ser mais coitada do que já sou,
Que de coitada não tenho nada.

Tanta gente triste,
Enquanto gargalho...
Tanta gente que perdeu cabelo,
Nas quimios e radioterapias para câncer...
E eu com meus cabelos longos e lisos,
Do jeito que os homens gostam.
Homem gosta de cabelo...
Profetiza minha amiga.
Só não gosta é lá embaixo...

Quero ter pena não,
Nem de mim,
Nem de ninguém,
Porque a cada um Deus deu seu próprio feixe de estrelas prá carregar.
E o meu é tão grande...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Conselho de amiga

21/10/2010

Querida amiga,

Li com cuidado a sua mensagem e, apresso-me a respondê-la.

Vejo que você precisa de uma atenção especial, um curativo na alma... Entendo que alguém lhe partiu o coração e agora não sabes o que fazer... Você pede que eu a entenda... E não a julgue, porque as pessoas, de modo geral, lhe acham louca quando falas que se apaixonastes por alguém, pela Internet.

Eu tenho algumas considerações que, com sorte, poderão ajudá-la.

Em primeiro lugar, de forma nenhuma, lhe acho louca porque se apaixonastes, por alguém que nunca vistes. Sabe, uma vez fiz amizade com uma senhora, 40 anos mais velha do que eu, por carta, e nós nunca nos vimos. Tive um livro meu publicado, ela fez uma crítica do meu livro em um jornal em Oklahoma e gostou do livro. Então, ela me enviou a crítica publicada, com uma carta escrita à mão, com uma letra linda, e a contatei para agradecer e a partir daí, nos tornamos amigas. Escrevíamos-nos, nos falávamos ao telefone.

Ora, a amizade é uma forma de amor, então, se podemos ter amigos que nunca vimos, podemos também amar alguém que ainda não encontramos. Então, esqueça este preconceito, que algumas pessoas possuem de achar que, amor à distância é maluquice – na verdade, qualquer amor, perto ou longe... É complicado. Complicado, porque não existe receita, porque não nascemos sabendo amar e só aprendemos a custa de muito viver...

Em sua mensagem, você se dividiu entre gostar do rapaz – porque ainda não pôde esquecê-lo... E sentir raiva dele, porque ele a rejeitou... E é esta dicotomia entre amar e odiar que eu quero comentar...

A paixão assusta... E nunca podemos saber, ao certo, se ele se afastou de você por muito querê-la... Ou por não querê-la. Você se debate, querendo entender uma situação, que ficará sem entendimento... Então, concorde com Antoine de Saint Exupéry, em seu brilhante livro A cidadela, no qual ele nos conta uma longa história e arremata dizendo que ficava horas tentando entender aquela situação, mas que hoje, ele sabe, que aquilo provavelmente existia para lhe ensinar o valor do segredo e que nunca é possível entender todas as coisas.

O seu valor, amiga, é você que o sente, é você que o tem. Não pense que não possui nenhum valor, só porque alguém há quem você muito queria, não lhe quis.

E, não fique brava com ele. Imagine que a paixão é um pássaro lindo, que voeja em torno de você e que pode ou não partir. Eu sei que o abandono é frustrante, mas ele lhe encheu de sonhos – olhe só que coisa maravilhosa! Os sonhos deveriam ser negociados em lojas, assim como as jóias, pois eles são mais preciosos do que elas. Então, ele lhe deu preciosidades.

Você reclama que ele lhe encheu de sentimento... E depois lhe disse que tinha medo de sofrer e sumiu. “Há tempo para tudo debaixo dos céus... tempo para abraçar e tempo para afastar-se do abraço...” Talvez, amiga, ele não estivesse pronto para o abraço, e tenha preferido se afastar, para pensar.

Às vezes, aquilo que lhe faz sofrer hoje é a base para a sua felicidade amanhã, ou daqui a um ano... Levamos nossa vida, pensando que a controlamos, que sabemos de tudo, mas não controlamos nada, não sabemos de nada. Eu desisti de saber. Concordo com o filósofo: Só sei, que nada sei...

Você reclama que talvez, ele tenha brincado com seus sentimentos... Será? Se ele brincou de amor, e feriu seu coração de propósito... As pessoas são humanas... E o homem por quem você está apaixonada, também é humano – ele não é o Deus que você pensa que ele é.

Abençoe-o, lhe deseje tudo de bom, pois tudo o que você deseja aos outros... Volta para você. Ele não era bom só porque lhe queria... E se transformou em mau, só porque não a quis mais... Ele é o que é, e você gosta dele ainda... Então...

Desista de deixar de pensar nele... Pense nele... Até que o seu coração e a sua mente deixem de pensar nele... Porque, se você abafa o sentimento... Ele volta e voltará com força – cedo ou tarde.

Talvez, por eu ter quase morrido duas vezes na vida, eu tenha um desejo de viver maior do que muita gente que conheci. Eu mereço viver e me permito amar as pessoas a quem realmente amo – e não as pessoas que são mais convenientes de serem amadas, porque estão mais próximas de mim. Afinidade deveria contar mais do que proximidade. Preste atenção na afinidade que tens com as pessoas,

Então, querida amiga, já que não controlamos nada, convide peça a Deus para lhe falar, para lhe mostrar, lhe apontar os caminhos, porque eles são muitos e nem você, nem ele, nem eu sei quais são os melhores caminhos a serem caminhados... O sentimento já é um bom e grande caminho... Mas Deus sabe o que é melhor prá nós.

Um beijo no seu coração e no coração do homem amado,
Silvana 

Desejo de se esconder

Por Silvana Pimentel Batista

O medo mostra os dentes animais,
Tenho medo de rua.
Prefiro domesticar as orquídeas do meu jardim –
Depósito de idéias e sonhos.

Não sonhei contigo na noite passada,
Mas queria.
Sempre lhe procuro nos meus desejos noturnos.
Você, que nunca está onde estou.
Você, que me mostra as costas, quando lhe mostro os seios.

Você, invasor do meu garimpo de diamantes.
Necrosou a perna,
E convidou-me para ir visitá-lo
Mais uma vez.

Explodi meu carro só prá não ir.
Adoeci e parei na Holanda.
Engravidei de um outro homem,
Sem sucesso.
Quase enlouqueci de solidão em Amsterdãn.
Fantasia maior era olhar as revistas e jornais,
e entender tudo.
Falar português...
As palavras dando voltas no ar, antes de caírem no meu cérebro...
quando telefonava para a embaixada brasileira em Haia
pedindo socorro.
E enricava.

Tornei-me amiga dos piratas holandeses,
Roubadores de livros.
Um me presenteava todo mês
Me emprestando pergaminhos.

Nem o jardim de rainha embaixo da janela,
Ou as esfinges na entrada,
Valiam.
Manuela se encantou ao visitar o lugar que morou dentro de mim.
O medo de amar transmuta-se em solidão.
Desejo esbofeteia a cara da gente todo dia.

Talvez


Por Silvana Pimentel Batista

Vinho e pizza,
Cigano e cigana,
Terminou.

Terminou?
Sei não... sei não...
Desejo abafado incomoda sempre...
Melhor seria
Em vez de medo de sofrer
Agarrar o medo de não viver.
O seu pensar, atrai o meu...

Observo a velhinha comendo a pizza.
Enquanto a bengala dorme e espera.

Metade margarita,
Metade portuguesa.
Penso nele,
E no seu avô judeu...
Sou também descendente de judeus portugueses,
Transmutada,
Camuflada,
Rejeitada.

Eu também, sozinha.
Velhinha.

Sou aquela que come pizza
E bebe seu próprio sangue.
A solidão caminha em volta da minha casa, à meia noite.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Desejo de flor

Por Silvana Pimentel Batista

Minhas mãos tornaram-se rosas.
Rosas vermelhas.
E o vidro espatifado cortou a rosa da mulher que recebeu a mão.
Fico observando você,
Tal mãe na frente do mar,
Esperando o retorno do filho pescador.

Por que os filhos insistem em pescar um pouco mais?
Por que deixam as mães esperando no cais, enquanto escavam as profundezas do vulcão molhado?
Em busca de tesouros que estragam de um dia para o outro?

Queria algo duradouro,
Como um pássaro.
Desejo de voar...
Planar solta
Nas profundezas da alma
E, quando pousar,
Que seja em você.

Rosa rendada na mesa,
Pássaro num quadro na parede,
Eu, pousante.
Ele, pousada. 

Fragmentos

 Por Silvana Pimentel Batista

Quero o fragmento daquilo que não tens.
Quero sua alegria rasgada,
O seu nervosismo,
Um trago no seu wisk com Red Bull.
Quero beijar a cabeça facetada por mil séculos;
Costurar com minha língua
As feridas da saudade jorrante,
Prá reconhecer nelas, depois,
As escrituras celestiais.
Seu corpo, meu caderno.
Suas costas, meu leito.

Quero cobrir você que tem frio,
Sentir o seu perfume de Deus.

Do que eu gosto?
Gosto é de homem feio,
muito feio,
Mas que goste muito de mim.
É isto que me dá tesão.
Quero que você olhe mais pras minhas coxas grossas
E que passe a mão na minha bunda
E aperte a minha mão no cinema.

Quero escrever na sua alma,
Histórias de navios que sempre partem e chegam;
Que chegaram e nunca voltaram.
Não me importa muito quantas vezes você partiu,
Essencial é que você voltou...
Que você sempre volta,
Me abraçando, querendo me atravessar de desejo.

Mulher que retoca batom,
Quer beijo...
Mãe ensina tanta coisa...
Mãe é santa.
Ela me dizia... que desejo é coisa que dá e passa...

Quero beijar sua boca,
A Virgem mandou-me um recado:
A sua boca...
A cada noite.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mais largo do que a realidade

Por Silvana Pimentel Batista

Por que me oferecestes palavras
E me proibistes de usá-las?
Por que me enchestes de ardor
E evitastes sentir o calor do meu corpo?
Por que me fizestes sonhar com beijos
Que começam pequeninos e vão crescendo
E nunca me permitistes a entrega?

Drummond que me perdoe, mas
Jose, e agora? E agora, Jose?
O que eu faço com este vazio?
Um vazio que expulsou o sonho
e se instalou inteiro?
Um vazio que corroi,
Que esmaga.
Ah...o sonho que sonhamos
Foi maior que todos os sonhos juntos,
Mais largo do que a realidade,
Mais profundo do que a sua verdade...
O sonho... esvaziastes...
O sonho... apunhalastes...
E agora Jose?
Onde estão os poemas?
Os meus... ainda estão aqui...
E são seus...
seus meus pensamentos sao,
Meus desejos,
A cor do meu esmalte
E a maluquice de querer que voce me queira ainda,
Amante. 

No final da curva

O que conta ao final
São palavras abstratas:
Afinidade e desejo.

No final da curva,
Eu, que tanto me feri na estrada,
Vou me arrepender apenas
Dos beijos que não dei...
Dos aeroportos que não visitei,
Do amor que não entreguei.

No final,
Terei amado mais
Aqueles a quem não lambi o suor,
Aqueles a quem não provei a saliva,
Porque o desejo da entrega impossível do beijo
e néctar da orquídea vermelha
Represou e ficou.  

Crescimento

 Para J. G. onde quer que voce esteja...

No jantar da minha sala,
Escolho emoções.
Junto à cadeira de espaldar alto,
Recolho epifanias,
Tal flores plantadas no sonho.

Pintei uma orquídea vermelha,
Vinho, roxa, coquetel de cores.

Para ela, não foram necessárias palavras...
Foi num domingo pela manhã,
Que a recebi.

Três semanas depois,
Banhada de solidão,
Transformo o abandono em crescimento.

Foi a época que palavras dançavam soltas em mim,
Tal as chamas que se espalhavam no edifício da amiga.
Contidas foram as chamas...
Condenadas minhas palavras permaneceram.