segunda-feira, 2 de julho de 2012

Desdesejo
Eu quero é desproibir em mim
Desparedar caminhos,
Povoar paredes,
Desavisar planos,
Despistar anos,
Florescer cachoeira,
Desaguar em ti.
Silvana Pimentel Batista

segunda-feira, 28 de maio de 2012

De chegadas e partidas


Parto como quem chega
Deste porto que foi meu abrigo
E esperança
Do porto que me tornei.
Sou gaivota e peixe, nó e corda,
Água e barco.
Parto como quem chega.
Partida e chegada,
Sempre, o mesmo porto.
Sempre, a mesma dor.
Deixo este porto carregada de rosas
E chego a mim,
Aonde nenhum navio nunca chegará,
Pois nem eu sei onde fica.

Silvana Pimentel Batista

Descansem caminhos


Descansem, Caminhos,

sob os meus pés

Ralem pedras,

Respirem seixos,

Sob as aragens da noite.



Descansem, Caminhos nus,

Solitários

Sob meus pés cálidos.


Caminhem, Caminhos,

Antes que passe o tempo

E leve meus pés.


Cheguem, Caminhos,

Para que eu beije

Seus cabelos de relva

E asas de passarinho.


Descansem, Caminhos,

Sob o sol

E lua que brilha,

Minha.  Sua.

De toda a gente que sente

O fumegar do sangue

Nos corações dos amantes.



Descansem sob os meus pés, Caminhos,

Que a estrada é comprida

E falta pé

Para tanto caminhar.

Só as araras azuis são felizes

Só as araras azuis são felizes
Felizes são porque sabem esperar
Esperam a passagem do tempo,
Que as come, que come a todos,
Mas elas não sabem que esperam
E pousadas no mourão
Esperam em fila,
Se exibem e
Esperam com calma,
A sinfonia da lua.

Só as araras azuis são felizes,
Porque são azuis
E não vermelhas,
Porque possuem a calma dentro delas,
E não são vermelhas feito eu,
Que ardo nas minhas próprias chamas do
Desejo.

Desejo sim,
Desejo ser azul,
Ser verde,
E saber esperar,
Esperar que o desejo passe,
Sem querer voar.

Vai desejo, vai embora,
Some,
Sai de mim, desarvora,
Vai voar em outra freguesia,
Que agora
Pouso no azul e no verde
E simplesmente sou.
 

domingo, 27 de maio de 2012

Do olhar e do amor


As formigas caminham nas trilhas de açúcar
A caneca de café festeja a minha boca,
E me avisa:
Um dia de cada vez.

Um cachorro late,
Outro cachorro uiva pensando ser lobo. 
A montanha verde escura emerge da noite,
Querendo reter a escuridão,
Quando os pássaros já celebram o dia.
 Há um jardim embaixo da minha varanda,
Uma montanha atrás do jardim
E a orquídea que ganhei de aniversário ainda está em flor.
Na pequena horta fecundam-se a hortelã, o manjericão e alecrim,
E os pássaros cantam.
Eu contemplo e amo a tudo:
A trilha das formigas, o jardim, o jasmim, as orquídeas, as violetas, o latido do cão, a montanha , os pássaros, os aviões, a caneca de café, o cheiro do café, o pão com passas e canela.

Amo. Amo a tudo o que vejo,
as ondas do mar,
O voo dos pássaros,
De todos os pássaros,
E, devo confessar,
Amo mais as gaivotas, porque elas amam o próprio voo.

Amo a tudo e a todos,
E ao mar, porque ele se assemelha a ti,
Amo as árvores por que sou selva,
Amo a água porque rio caudaloso sou,
As veias do meu corpo correm e descem para o mar,
E o mar, em maré alta, sobe para me encontrar,
Me dá um abraço
E beija as minhas águas como quem seca um pranto.

Estes seus olhos

Estes seus olhos que sussurram
Com a maciez aveludada dos pêssegos,
e perfume do jasmim,

Ah, estes seus olhos que em sonhos beijo
E toco com dedos de chuva
Estes seus olhos que possuem aroma:
Os seus olhos cheiram à liberdade,
Cheiram a roseiral,
São pétalas de azaléias que correm soltas num riacho cristalino,
Plantadas em campo vasto,
Neste seu campo castanho,
onde plantei ternura,
Onde pisei completamente nua
Sem saber que seus olhos me observavam;
Neste campo que é grande,
Onde o sol aparece para beijar seus olhos
Porque até o sol respeita
Estes seus olhos imperiais,
Que eu amo.

Quando você chegar,
Ama-me de olhos abertos.

De palavras, silêncios e incêndios

Pisei palavras
Engoli as palavras que andavam por aí
Esmagadas pelo vento,
No gesto que não fiz
No beijo que neguei.

Nunca me arrependi dos beijos que dei,

E daquele que não beijei, sempre me lembro.
Quando chovia
E ele me queria
E eu o queria
Mas cada um por si
Cada um fingia.

E me pergunto agora: Para que?

Nunca me arrependi das palavras que disse,
Ternuras expressadas
Amores revelados,
Palavras são crianças necessitadas de carinho,
São mulheres e homens em noites de amor
Descuidadamente libertos pelo ato.

Apenas uma certeza me consome:
As palavras que não pronunciei me incendeiam.

Silvana Pimentel Batista

Só eu

Homenagem a Fernando Pessoa

Nunca conheci uma mulher admitisse ter sido ridícula,
Nunca conheci um ser que tenha sido enganado,
Que me falasse a verdade sobre si mesmo
Nunca conheci ninguém que expusesse suas cicatrizes.

Só eu fui ridícula,
Só eu fui fraca,
Só eu fui boba,
mil vezes ingênua,
Só eu confessei meu amor exagerado,
Mil vezes enganada
Mil vezes não amada.

Só eu ouvi as gargalhadas daqueles que me enganavam
Eu que fui um dia advogada de grandes causas,
Quero agora advogar a causa maior
o amor
(Porque o amor é sempre a maior causa do mundo)

Eu que expus publicamente minhas cicatrizes 

como quem expõe suas telas de pintura
Eu que sempre perdi
Eu que muito menti
Eu que tanto enganei
Enquanto mais me enganava
Eu que colecionei lições
Eu que extraí força da lama que me atiraram
Eu que tanto aprendi
E me valorizei
Eu me fortaleci nesta história longa chamada vida,
Onde o amor é um belíssimo tesouro oculto.


Silvana Pimentel Batista

terça-feira, 1 de maio de 2012

Dos cheiros e de nós


Penso em nós
E no amor que fizemos tantas vezes,
Que nem saudade deixou,
E só nós dois sabemos o por quê.
Penso em olhar-te novamente
Admirar-te
Brincar contigo
Fazer-te cócegas como quem beija
Cheirar-te todo,
Depois que retirar do teu corpo
Todos os jasmins que nele depositarei
Quando restará na tua pele apenas
O odor da flor branca.

Penso em ti
E no invisível instante
Da escolha.

Um amor verdadeiro não se escolhe com o olhar,
Encontra-se na palavra INFINITO.

O que permanece baila atrás dos corpos.
Por isto tu me procuravas e
Mesmo quando
Não me convocavas,
Tu me encontravas, por que
Encontra-se o amor no território das almas.
Numa região onde se sabe
Sente-se,
Conhece-se e
Reconhece-se apenas
Pelas coisas do coração.

por Silvana Pimentel Batista

sábado, 14 de abril de 2012

A palavra

A palavra é esfinge
É elo de corrente que solta
E que prende,
Depende, de quem a veste.
Depende, de quem a sente.
É horizonte, é cardume, é alcateia.
É colmeia.

A palavra é bailinho de criança.
Uns a usam como recurso,
Outros, como máscara ou escudo.
A palavra é detentora de hiatos, ditongos,
Tritongos e tesouros
Com ela, vou indo;
Cruzo a Finlândia, dirigindo
Sem saber onde parar
Sem saber a linguagem que querem me explicar
A palavra é o sol da meia noite,
É amor,
É açoite.

É sorvete que escorre,
É concerto, é sonata, é cantata,
Escrita, falada ou cantada,
Ela te seduz.

A palavra lambe-te,
Beija-te,
Escorre-te,
Engana-te,
Abençoa-te e acaricia-te,
Na solidão de noite fria.

Por isto, digo-te:
Fica com a palavra.

Ela te dará alegrias
Te fará companhia,
E te falará mais de amor,
Do que o próprio amor.
E te apontará a luz
De um novo dia.

Silvana Pimentel Batista

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Um caminho


Meu vestido de veludo vermelho
Entende mais de sedução 
Que mil livros de erotismo;
E centenas de Kamasutras juntos.
E meu decote,
Congrega um universo 
De lobos sedentos.

Com meu vestido vermelho,
Minhas mãos douradas de lua
Plantam vida.
No jardim, entre
Hortelã, mangericão
E Alecrim
Cultivo pequeninos pedaços de estrela.
Florescendo a horta da vida, 
Por que o que há de nascer, 
não toma outro caminho,
Cresce e floresce.


Nem tudo

Para o Fernando Pessoa,

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena,
Tudo vale a pena quando a alma não é
Tudo vale a pena quando a alma não está
E quando está também
E mesmo sendo pequena, vale também,
Pela chance de se tornar maior.

Maior é a pena que sinto de gente com alma pequena
E quanto menor,
Maior é minha pena de alma pequena,
De gente pequena, gente sem alma,
Gente sem sentimento
E sem pena.

Mais sinto, de gente que
Perdeu a alma,
E nem grande, nem pequena,
Inexistente.
De dia, fantasia,
Na verdade da noite,
Só açoite.
No corpo, o mel,
Por dentro,
Fel.
Tem gente que rouba criança para extrair os órgãos,
E os dentes;
Que assassina almas...
E tudo faz, sem pena.

É Pessoa, há pessoas que não valem a pena,
Nem pequena, nem grande
E nem valem a alma que têm.
Há pessoas que não valem o cuspe
Que lhes atiro na cara.

sábado, 31 de março de 2012

Trajes de lua

Escura é a lua
Que não nasceu,
Escura, a distância e a esperança,
Esperança de esperar
E nunca se cansar.

A lua escureceu em mim
E meu sonho clareou:
Tu nunca virás
E eu nunca irei,
E tu estás aí,
E eu estou aqui.

E saber que existo
E que tu existes,
E que somos absurdamente felizes, apesar de nós,
E apesar do desejo morto ainda menino,
Saber que outras pessoas virão,
Que a vida é uma roda de tempo,
Este tempo infinito com que, ingenuamente,
nos ofertamos
E apesar de que tudo o que temos
É esta água corrente que nos alimenta e nos mata, a ambos, ao mesmo tempo,
Lobos vorazes de nós mesmos;
Saber que somos nada,
E que queremos tudo,
Transforma o tempo, em imperador.
E a lua mostra seu traje de imperatriz ou de atriz.

Silvana Pimentel Batista

sábado, 24 de março de 2012

PROFECIA

Hás de escrever teus versos em meu corpo
Versos potentes tais os cavalos viajantes de Netuno.
Teus dedos hão de dedilhar
As cordas longas dos meus cabelos longos
E desenlaçar os fios dourados como quem colhe flores.

Hás de pronunciar palavras,
Leves borboletas
E elas tocarão as fundas grutas escuras do inconsciente,
E soarão dos teus lábios de chuva,
Tal sinos budistas,
Dos teus dentes torrões de açúcar.

Hei de ter meus seios de asas celestiais tintos pelo sangue que escorre dos teus lábios
Estes lábios murmúrio de fontes e lavas de vulcão.
Criados para aquecer os meus.

Sorverei teus lábios tal pêssegos suculentos
E o sumo escorrerá por meus seios e garganta
Como o tintilar das orquídeas em flor,
Da flor de todas as flores que cantastes.

Hás de beijar meus seios
E extrairá de mim o leite
Dar-me-ás água e vinho
Com o qual me embebedarei de prazer por ter-te,
Por beijar teus olhos de lince e lobo tenebroso.
Hei de desenhar teu corpo imóvel de albatroz,
Pintar uma aquarela de ti
Corpo de montanha que treme,
Ereto tal um astro,  cor de lua.
Ah, beijarei tuas unhas de pérola,
E tuas pálpebras janelas, pelas quais me observas.
Na porta do tempo, castelo de mil portas coloridas,
Que abrir-te-ei .
Tu me envolverás com teus braços de amante
E beijar-me-ás a cabeça,
Afundada em teu peito até que eu durma um sono,
Que nunca mais dormi,
Depois de ti.

Hei de olhar-te de perto.

E haverá em ti o brilho das coisas alegres.
Teu corpo mostrar-me-á a pressa dos astros,
Quando vieres amar-me,
Tocando a harpa do tempo.

Irei cantar-te com meus olhos
Estes meus olhos que são,
Ao mesmo tempo,
Água de rio corrente e fogo ardente.

As minhas coxas de mulher, tu beijarás,
Com tua saliva doce
Rabiscarás poemas no meu corpo
Para que tu reescrevas a minha história
A minha história que é a tua,
A nossa história de mil anos.

Ah, meu amor,
Tu não sabes que somos a prova viva
Da atração das almas?

Ouço já o silêncio dos teus passos.
Percebes que, às vezes, repetes minhas palavras,
Saboreando-as como quem
Degusta e se embriaga vagarosamente?

Hás de fazer-me o amor com os óleos de Osíris e
Hei de fazer-te o amor em retorno,
Porque antes de ti,
Nunca houve o amor.

Tudo o que existiu antes de ti
Foi semente em campo minado 
Para explodir em raízes 
Que se enroscam dentro de mim
E impedem-me de dizer teu nome,
Na presença de outra pessoa,
Este teu nome dourado.
Cheio de som e cheiro de flor do meu jardim,
Nome que pronuncio apenas quando estou só,
Com as minhas rosas.
E nem que usem fórceps 
Para extrair da minha garganta a verdade,
Eu a revelarei.

Já te falei que a minha verdade é minha.
Tal qual a tua mentira é tua.


Hás de vir e
Quem sabe,
Talvez cansados e velhos
Ainda haja tempo para sermos corajosos?
Quem sabe, talvez um dia,
Retirarás a máscara que te aprisiona?

Este será o dia em que nossos corpos haverão de arder de amor,
Enquanto isto, que as palavras ardam em nossas páginas. 

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ESPELHOS


O que há atrás do espelho?
O que se esconde no ato de encorajar o outro,
Enquanto estilhaços esparramam-se pelo chão?

O que há dentro do desejo do outro?
Estará nele seu próprio prazer ou o meu prazer
De que o outro deseje a mim
Que não me desejo?

Além da montanha,
Especialmente aveludada 
Há o brilho fugaz
Daquela que guiou os cegos até 
Cegar-se.

E cega perdeu a coragem
E cega, perdeu-se.

Cega e perdida caminhei,
Tateando horizontes de prata,
Cavalgando os cavalos de Netuno.
Perdida procurei
Até que encontrei
A luz em mim.