sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Diferente

Desvirei um besouro,
Que se debatia ao sol, de pernas pro ar;
Desliguei o som para ouvir melhor
Os ruídos ao redor da casa...
Um sapo martelo martelava,  próximo ao lago,
Martelou até cansar...
Um casal de garças sobrevoou e pousou à frente na estaca da cerca
A caseira chama o marido de amor
O homem quer encher o sonho de porrada
Quer bater na cara do sonho que não encontrou.

Que sonhos ele sonhou?
Que sonhos pensei que ele teria sonhado?

Ah! Não importa mais os sonhos dos outros
Quero sonhar os meus
Ando mesmo mudada...
Observo a tudo,
E nada me entristece
Nem mãos ressecadas de velha
Nem pés quebrados na estrada...
É que fiquei exposta ao sol.
Até que a água que corria
Resolveu morrer.
Depois, decidiu e renasceu
Escorreu da seiva da árvore.
Tal qual eu.

O tempo

 O tempo

Tempo é vento
Que contemplo nos olhos do filho que amamento.

Vento é vôo de asa atada,
Na palma da minha mão – madrugada.

Vôo - galope de corcel,
Flores de mel.

Fazemos do momento,
As cordas do firmamento...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Da impossibilidade dos amores ou da possibilidade dos amores possíveis

O quê sabes tu da impossibilidade dos amores? O quê sabes tu sobre amores de alma? Acaso tivestes um amor de alma?  Milhares?  E o tempo destruiu? Ah, sei, sei. Percebestes que um rio,  invariavelmente, encontrará o mar? Só há um jeito para que um rio não chegue ao mar: represando o rio. Sou aquela que muda o curso das águas,, que mata a sede no deserto e se transforma. A represa sempre transbordará. E se abrirá outra represa, mais outra, mais outra, até que as represas cobrirão a terra e não haverá outro espaço para o rio que não seja chegar ao mar. Porque o oceano e rios são de marés, e o mar precisa dos rios assim como as sereias precisam das estrelas, assim como a dançarina precisa do som do bandolim para dançar melhor. Somos oceanos cercados por rios e peixes por todos os lados.  Entardece  e amanhece porque os pássaros voam. 

terça-feira, 14 de junho de 2011

Desejo de noivo

…na noite em que nos casamos, não te possuí... tu te lembras? Chegamos cansados da viagem e envergonhada, querias tomar um banho a sós... permaneci no quarto, ouvindo o barulho da água que escorria pelo teu corpo... encostei o ouvido na porta até distinguir o ruído daquela tua água... quando as gotas caíam pelos teus seios e mergulhavam direto no chão do Box, o ruído era diferente... quando elas deslizavam sobre cada milímetro do teu corpo e chegavam aos teus pés, suavemente, perfumando aquele pedaço de estrela, não faziam sequer, barulho... teus cabelos estavam molhados, as auréolas de teus seios que eu quis tanto divinizar tornaram-se firmes, os teus pêlos pubianos se enrolavam tal caracóis brilhantes... eu quase explodia de desejo, imaginando aquelas formas tão minhas... conhecia a tua temperatura... a pele macia de fêmea quando ama... tu já observastes que quando uma mulher ama, a pele se transforma de tal maneira que se torna iluminada? sim, eu te iluminei com meu amor... tu me levantas e me tocas tal fada tocaria me sinto ao rubro, tenho vontade de cobrir a mim mesmo, morro de ansiedade de ter-te ali, se deitando sobre mim e cobrindo meu corpo inteiro, tal um jasmineiro, tal um campo de margaridas – que existem apenas para serem comidas, deitadas, lidas... o teu banho se alonga... e eu quero estar lá, naquela água contigo, naquele prazer que, intuo, tu atinges sem mim... porque não precisas de mim, e não preciso de ti... precisamos de nos termos de volta, porque nos perdemos há séculos... eu estou em ti... e tu estás em mim... e quando tu me tocas e me sugas... alimentas-te de mim, que me esvaio em ti, para ti, por ti... mas tu não terminas este banho nunca... porque tu queres permanecer limpa... limpa de ti, limpa de mim... meus poros estão abertos, minhas narinas alargaram-se tal qual meu membro que lateja por ti... minhas mãos desejam tanto fechar-te o corpo num abraço, para que nunca mais olhes para outro homem com um pensamento de desejo... sim, desejo... desejo que teus pensamentos sejam apenas para mim, que teu grito de prazer seja sempre com meu nome e que em todos os teus escritos escrevas meu nome para que o mundo todo acredite que me amas... só assim eu provarei que tu te casaste comigo por amor... que amas o meu cheiro, meu suor, meu toque, meus beijos... meus lábios passeando pelo teu corpo... lembra do teu aniversário, meu amor? Quando te divinizei e beijei-te cada milímetro do teu corpo, repetindo, incessantemente... feliz aniversário? Feliz, feliz estou neste momento... em que te espero sair do banho... mas o banho se alonga... o barulho da água cessa... ouço teus passos do outro lado da porta... tu vens para mim... linda, limpa, perfumada e quente... tu não vens... tu não vens... ouço um barulho... um baque seco no chão do banheiro... e mais nada... grito, imploro... forço a porta e percebo que tu a trancastes por dentro... grito por ti novamente e não me respondes... sigo gritando para que me atendas... para que tu não partas... não respondes... desesperado, telefono para a recepção do hotel... tento arrombar a porta... não consigo... preciso que venham imediatamente com a cópia da chave do banheiro da nossa suíte... quando o camareiro chega e abre a porta... vejo-te lá, branca, linda, em meio a uma poça de sangue que escorre dos teus ouvidos, formando uma bela moldura para teu rosto... teu corpo ainda quente, pela água do banho... o camareiro encantado com tua nudez... e eu me mordendo de ciúmes de ti... que até depois de morta ainda encanta os homens... então, para cobrir teu corpo puro... deitei-me sobre ti, adormeci e amanheci vermelho... 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sobre seres humanos...

Minha gata Florzinha me adora. Na noite passada, estranhou a cama pequena, no escritório, mesmo assim, para lá me acompanhou e dormiu aos meus pés. Às vezes, ela me olha com um olhar de amor sem tamanho e não consigo evitar uma pergunta: Será que já fui amada mais do que ela me ama?

Hoje acordei cedo. Na mesa da sala, ouvindo Ludovico Einaudi, eu abria conta por conta e anotava. Somava, dividia, calculava... Feliz por estar viva, ter contas (os mortos não precisam mais pagar suas próprias contas!)... Feliz por ter esperanças na vida... Quando minha gata Florzinha escalou a mesa e se posicionou bem em cima das contas que eu pagava.

Inocente, confiando demais no amor da minha gata, levei minhas mãos ao seu corpo, na tentativa de retirá-la da mesa. Ela, então, se virou contra minha mão esquerda, a agarrou como quem segura um pássaro, com as quatro patas e me mordeu o pulso várias vezes. E eu lhe dizia “não, não” e ela continuou a me morder, a segurar meu pulso com unhas afiadas, arranhando, mordendo, até sangrar.


Einaudi me encanta com suas melodias, e eu me pergunto quão temos de gatos. Quão humana minha gata é... Que me ama mais que os seres humanos me amam... E quão gatos somos, quando somos ariscos, quando nos escondemos, quando amamos e machucamos o ser amado. Não basta arranhar um pouco... Não é o suficiente. Queremos segurar, com nossas quatro patas e morder, morder a jugular, subjugar, fazer sofrer, morder, morder até ver a presa sangrar. 


Que estranho é ser humano! 

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eu quero um amor pequeno

Todos os amores verdadeiros tornam-se pequenos.
Apenas o amor que nunca existiu torna-se grande,
Maior do que o mar que os separa...
Porque no amor pequeno há a presença...
O suor, a bofetada da palavra dita na hora errada
O pus que escorre da inflamação que lateja...
No amor pequeno encontra-se o trigo de cada dia
O cuidado, o carinho de olhar
A preocupação de não machucar...
Está lá no outro... o defeito, berrando para ser aceito...

No amor não realizado
Encontra-se o descuidado com o coração do outro.
Não há lugar para o defeito que luta em ser aceito
Existe champanhe, flores, sabores, madrugadas, estrelas, luas e deuses.
Apenas o sonho existe.
E por tal, belo.
E por tal, eterno.

Eu quero um amor pequeno... Um amor verdadeiro,
Que venha inteiro,
Que seja o único, o primeiro,
E que se torne real.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

A fome

A fome

Silvana Pimentel Batista

Eu quase morri na noite passada todas as noites quase morro de frio de dor de fome porque tu não estás aqui porque tudo fica vazio quando durmo e porque quando durmo quase morro e morrer poderia ser fácil mas sempre acordo com o coração aos pulos quando a carótida dobra e me falta o sangue quando a única carótida interna que me puxa da morte resolve se dobrar durante o sono lateral sono visceral sono que me acompanha durante as reuniões importantes as quais compareço para fazer meu pedido de paz que a paz venha para o mundo porque existo porque preciso viver a carótida pulsa todas as outras veias latejam e penso que faz-se necessário viver quando se tem uma razão minha razão é egoísta sou egoísta e penso apenas na minha carótida que não pode entupir para que eu não suba ou desça para o além antes da missão cumprida antes que eu construa o hospital para os pobres de uma pequena cidade perto de um rio nasci para isto para construir hospitais que me salvem da morte quando faltar sangue no cérebro e meus aneurismas explodirem todos e eu virar comida de flor e os famintos-irmãos irão todos ao meu enterro e porque sentem a mesma fome que eu porque ela é vendaval alvoroçando as casas da região porque a fome existe e não posso negá-la porque a fome é universal e ninguém consegue esquecer que as barrigas se enchem às vezes mas que um coração não se preenche que eu quis preencher o seu alento contra o vento quis dar o ombro para o encontro que eu quis ser médico de almas sem pensar em tempo em fome em barrigas famintas em estrelas caídas em corações sem amor em crianças sem valor esbanjando tristezas com sal nas almas eu penso nas mulheres nas portas dos presídios nos assassinos de mulheres e nas igrejas cheias de mulheres e nos presídios cheios de homens e sei que o mundo necessita de homens que liberte outros homens que liberdade é sonhar que o amor é a maior liberdade penso que é preciso vencer o medo que é preciso escancarar meus lábios e pronunciar palavras que libertem lembro daqueles que já defendi e que ajudar a libertar alguém é bom que se em uma vida inteira eu tiver colaborado para libertar apenas um ser já terá valido viver penso também nos construtores de idéias penso no sangue que pulsa nas veias dos homens todos os homens são tão iguais e as mulheres apaixonadas são ridículas e eu sou ridícula porque apaixonada pelo meu próprio sangue e sonhando em ter uma carótida interna direita mas para que ter carótida direita se nunca tive e ela nunca me fez falta decidi agora que não posso morrer antes que todos os livros que quero escrever sejam escritos decidi que não quero ser cremada porque um enterro precisa ser descrito porque belo sem coração não há vida sem sangue não há vida sem razão corto minha vida sem fome já morri que morram todos de fome mas que a fome seja de amor

sexta-feira, 4 de março de 2011

Um amor de lobo

Um amor de lobo                                                      (escrito em 1998, quando morava em Orlando) 

Silvana Pimentel Batista

As mulheres são feitas de pó
Do pó das estrelas.
E a água que emana de nós,
Brota de florestas escuras.
Nossos sonhos, são flores roxas,
Para serem lambidas por um lobo devorador.
Uma mulher quer um amor destes.
Um amor de lobo,
Que acenda o calor
Da chama sagrada.


The wolf love


The women are made of powder. From the stars' dust.
the water that emanates from us,
 it springs from dark forests.
Our dreams, are purple flowers,
 to be licked by a devouring wolf.
A woman wants to have a love like that,
A wolf love,
who wakes up the heat
of the sacred flame.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ismélia
                           Silvana Pimentel Batista


Meu nome é Ismélia,
De asa partida,
E pus na ferida.

Se nome não lhe dou,
Dou-lhe o sonho das borboletas prateadas,
Que florescem no mês de Março.
E cruzam na estrada,
Prá lá e prá cá,
Voejando e se exibindo.

Debaixo do coqueiro,
Fica a alma da Beegle envenenada,
Que sai às vezes,
Para me fazer companhia...
E corre, abanando o rabo,
Alegre por existir novamente.

O riacho sem perigos tem cobras
Água cristalina reproduz melhor as trutas,
Enquanto bebo café,
Observo a casa de marimbondo,
A grama crescendo,
Os jasmins me envolvendo
Eu, me perdendo de saudades...
Daquilo que ainda não tive. 

Deserto

Silvana Pimentel Batista

E fez-se deserto em mim...
Mesmo com muita chuva,
Não permaneci oásis,
Tornei-me grão de areia moída,
Doída,
Ferida,
Vivida,
Partida.
Mas sou.
Estou.
Inteira.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sem título

As estrelas brilham mais na Praia do Abraãozinho. Será que é por que elas pensam que são pessoas?

A gata da pousada lambe seus cinco filhotes,
O cachorro pensa que é o pai...
E os lambe também.
Levei minha filha para comer Kebab, no francês.
Numa topada,
Tiro o tampo da sola do pé
Me esvaio em sonhos;
Os bichos notívagos me seguem,
Farejando o sangue que espalho.
Caminho até o mar,
Choro, varada de estrelas.
Choro por todas as estrelas que não brilharam em mim,
Meu corpo se dissolve agora em lágrimas, sangue e estrelas.
Tenho mais lágrimas do que a praia em que me banho nua.
Vestida com meus cabelos,  sal e sangue,
Flutuo sob os cacos das pedras
Enquanto durmo e sonho
Com anjos tocando trombeta para me acordar.
Minha amiga amamenta sua menina,
Tal a gata Miau sustenta os filhos.
Com tetas grandes, de deusa.
A pousadeira se ajoelha e me deposita um cobertor,
Nos ombros que ainda soluçam
De saudade das estrelas que não me pertenceram,
dor de amor.
Lava o meu pé,
Pinga na ferida gotas de própolis,
Que ela mesma prepara.
E o corte se fecha por milagre.

Deus abençoe aqueles que sofrem e
Dos humildes faça-se o reino dos céus.

domingo, 13 de fevereiro de 2011


Nem

Silvana Pimentel Batista

A esteira marcava
Meus próprios passos na areia
Eu lia as Cartas a um jovem poeta, do Rilke;
Celine Dion começou a cantar no rádio: 
We don’t say goodbye, we don’t say goodbye,
Que me lembrou alguém querido.

Eu a ouvia,
Enquanto caminhava.
Era em mim mesma que eu pensava?
Naquilo que não foi... e poderia ter sido?

Minha amiga falou que estou obinubilada,
Se este palavrão quiser dizer que
Vendados estão meus olhos...
Não encontrara ela melhor palavra...

Penso
E não sei nem de mim...
No mural, facetas diversas,
Da mesma musa.
Observo dezenas de Mona-lisas travestidas
Com seus rostos diversos, cabelo de Bombril,
Fantasia de Branca de Neve,
Boina de terrorista,
Um Poodle com rosto da Mona,
Estilo Super Star de Hollywood; ou
A diva se transformando em cavalo.

No espelho facetado,
Fragmentos de reflexos pessoais,
Interrogo-me.
Qual delas sou eu?
Sou todas. Sou nenhuma.
Eu não sei nem de mim...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Florbela

Silvana Pimentel Batista

Cheguei tarde no jardim dos labirintos.
Por que quis ver a maior videira do mundo?
Eu tenho que voltar lá.
O cisne quis ser meu amante...
E conversamos durante toda a noite.
Tirei até uma foto...
Eu e o cisne.
A sopa quente na cozinha do castelo,
Sorvia-me.

Ana Bolegna caminhou naqueles corredores, em companhia da morte,
Por 1000 noites.
Cavalguei em pêlo, por anos, enquanto fantasmas de metal, na garupa,  me mostravam o caminho dos ventos.
Caminhei até encontrar a libélula no meio da névoa.
Eu, flor.
Ela, bela.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Jururu de Sapará
                          Silvana Pimentel Batista

Para minha queridíssima irmã Cláudia Pimentel Batista Ribeiro... eu lhe devia esta explicacão...

Dizem que os livros raros vão acabar.
O monstro possui cara de cachorro e das ventas, caem uns tufos de cabelos que ele exibe trançados. Quem os trança?
A língua se arreganha e se estica tal qual língua de sogra, toda vez que late ou canta. Ele me dá bom dia quando me encontra, com voz macia, mas quando está cansado, as pernas se alargam em pulos que lembram um sapo. Da pele de crocodilo exala um cheiro de lama e de sujeira.
Quando o sol nasce, o monstro se espicha na grama do jardim e come dúzias de lírios – ele nunca dorme – passa os dias penteando o cabelo que pende de suas costas de homem, tal uma crina de cavalo. As unhas estão sempre imundas e a única vez que uma mulher as limpou com um canivete gigante, elas permaneceram limpas por dois segundos e tornaram-se sujas de novo. Os três olhos giram de formas distintas e o olho do meio da testa é preto e amendoado, tal qual o olho de um boi Nelore.
A boca vermelha lembra uma gueixa. Não tem orelhas, nem sexo. Se é macho, por que tem seios? Se é  fêmea, por que tem um órgão que pende entre as pernas?
A primeira vez que foi visto estava ao lado de um ovo preto, partido, sanguinolento e latia.
A cidade inteira acredita que ele come defuntos. Se ninguém o pega é porque não se tem certeza. As formigas lhe batem continências. Os tigres fogem apavorados ao pressentir sua aproximação. Os pássaros voam mais alto e não piam, por dias inteiros, percebem o perigo e se ele caminha por sobre a ponte, ao ouvi-lo os peixes pulam para fora do leito, decidem morrer sem ar pois preferem isto a arderem no inferno que se forma.
Dizem que se encontra, periodicamente com Hades e que ele também ama Perséfone e a doçura avassaladora que o mostro possui, encontra-se nela e ele a copia.
Quando late os homens se afastam.  E se está alegre e decide contar histórias, o povo se agrupa à sua volta, fascinado. Às vezes, se mostra como uma enorme centopéia, com mil pernas sincronizadas. Em outras, recolhe as mil pernas e usa as pernas longas de sapo.
Dizem também que foi por causa de Jururu de Sapará que Perséfone concorda em viver seis meses por ano no submundo. Suas histórias a encantam. Uma vez ele retalhou um coveiro em 900 pedaços e depois entrou numa catacumba e foi até o centro da Terra, se encontrar com Hades. Ele matou o coveiro porque este não permitiu que Sapará deixasse umas bolsas no cemitério.  Ele ofertou o coveiro, fatiado, ao Rei das Trevas. Depois, lavou-se com sangue e voltou à superfície. Há quem diga que ele não ama ninguém, nem a si mesmo.
De ano em ano, banha-se no rio e ao vê-lo aproximar-se os cavalos relincham, soltam das carroças e fogem apavorados. O rio seca por dois meses inteiros, depois que Jururu de Sapará se banha naquelas águas.
Aparece no alto do morro em forma de Papagaio gigante; em forma de coruja e ainda em forma de freira, quando o focinho diminui e seu rosto assume feições humanas - o terceiro olho é disfarçado por um hábito de religiosa, que enrola em volta de si, apenas o rabo não some... mas também, de longe, ninguém consegue enxergar.
Foi visto na última feira de livros da Praça Mauá. Passa todos os dias da sua vida comprando livros, negociando-os ao telefone, com voz macia. Quando os livros são entregues na torre em que vive, ele os ensaca em seis grandes sacos e sai a saltar até o cemitério do Cajú e os devora. Alimenta-se de livros empoeirados e afasta-se das pessoas para não asfixiá-las.   

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cidade Branca

Silvana Pimentel Batista
I
A moça dos dentes podres não cortou a grama quando o sol batia.
Cortou-a  agora quando a chuva gotejava.
O mundo em granizo.
Faz frio. Faz frio perto de um rio.
Do rio que sussurra,  secretos carinhos de amantes na relva.
Quisera ter meu amado para me contar histórias até que eu afundasse nos braços de Morfeu, segurando-lhe a mão.

Por que as roseiras exibem tantas rosas machucadas?
Sinto saudades da minha gata Florzinha me adorando de soslaio. Quero abraçá-la.
Vejo Baby, a Beegle envenenada num domingo de Carnaval.

Minha amiga discorre sensações, cortinas e pessoas.
Em mim desejo teima em berrar,
Desejo de ser. De ser mãe.
Mãe da minha filha, do filho da minha amiga.
Mãe do homem que amo, tal qual Madona.
Mãe da moça girafa que me detestava e que agora me ama.
Mãe dos órfãos, dos desprovidos de alma.
Mãe da chuva,
Mãe do vento,
Dos filhos que não tive, daqueles que nunca sentiram um beijo de amor.


II
Uma cidade branca, para abrigar a todos eles e em mutirões plantar,  colher, construir.
Nossos jardins?  Campos de tulipas, rosas de perfumes exóticos, jasmins, orquídeas, violetas.
No fogão uma panela a borbulhar.
O jantar uma festa, sopas, e pães e amor.
Tudo o que se quer... uma casinha branca.
E quando os filhos dos meus filhos nascessem
Eu os amaria. Seriam filhos da cidade branca onde a luz brilharia.
Filhos da alegria e da concórdia.
III
O rocio desce escondendo a montanha.
As roseiras balançam.
Os pés estão frios.
A tia morreu falsamente.
Que a reviva para cuidar dos filhos que crescerão em bondade e paz.

O fazendeiro de olhos verdes chorou, quando seu touro morreu.
O anjo loiro, de olhos azuis, se transformou no cirurgião da cidade Luz. Os pacientes melhoram com o olhar do médico anjo.

A tia reviveu.
Nos perdemos.
Nos reencontramos para gargalhar e entender porque nos afastamos durante tantos anos.
Sou viúva há 20 anos...Sou viúva há 20 anos.

Na  cidade branca seríamos mães e pais, uns dos outros,
Maria, mãe de dez, que criou mais cinco e lhe sobrava amor para me amar.
Raimunda que morreu aos 98 anos e foi me visitar,  que me apareceu em sonho e me  disse: estou indo mas vim me despedir de você. Se foi para sempre.

Inês, a italiana porque nasceu num navio. Italiana que nunca pisou na Itália que amava  crianças, como mãe que nunca foi, e distribuía dinheiro aos pobres.

IV

O fogo, a lenha verde estalando, derretendo por dentro o coração,
O suor. A cidade brilhando.
A mulher que conta histórias de monstros bonitos,
de deuses pagãos, de mulheres-garças, de bailarinas sem as pernas,
da velha com sensualidade de adolescente,
do rapaz que come o sol e que transforma em ouro seus fios de cabelo.

Meus pés estão frios.
Precisam de outros pés que os aqueçam,
Queria dançar, para aquecê-los, sem parar.
Com música, sem música, com par, sem par, na festa, na floresta, na rua.
Sozinha, para todos e para ninguém.
V
Um pássaro me acordou  ontem e antes de ontem
mas os beija-flores se exibem,
Os botões das rosas preparam a gestação.
Os jasmins colhidos pelo menino, nas taças de cristal, perfumam as mesas.
Queria cobrir o corpo do meu amor com jasmim,
quando não tivesse mais nenhuma flor sobre ele.
Restaria-lhe o perfume sobre a pele.
E eu o beijaria como jamais beijei um homem.
VI
Rimos tal crianças, na festa de natal.
Cheira o cobertor!!! Cheira o cobertor!!!
Eramos cinco, irmãos, amigos verdadeiros.
Ovelhas e pastores, todos, de todos.
Tenho raiva de cada menino que beliscou meus irmãos
e sou amiga daqueles que os protegiam.
Na festa estavam também o Jururu de Sapará...
E o Fêz-a-cruz... que nem tinha feito.

O primeiro namorado morreu de enfarto,
mas o anel que ele me deu não era de vidro. 
Perdeu-se como se perdem as esperanças,
Desilusões que aparecem dia após dia.
A mulher que separou do marido de tanto que ele bebia ainda pensa que é coitadinha.
Mania da coitadice,
Depois de 18 anos, dezenas de amigas não são suficientes.
Nega e flagela-se.
VII
Anseio por um ano incerto e cheio de viagens com minha filha...
E um amor,
para aprender mais do que ensinar.
“Só sei que nada sei”, tal qual Sócrates.
Preciso daquilo que  não se pode comprar.
Viajarei procurando meus caminhos...
Caçando minha verdade, com lupa na mão e bornal de escoteiro.
Tenho direito aos meus desejos.
Minha verdade e meus desejos pertencem apenas a mim.