domingo, 2 de janeiro de 2011

Procissão

Procissão

Na procissão das velas
eu me transformava em anjo?
Ou apenas voltava ao meu status quo?
Porque me lembro bem,
Daquela angelitude,
Que existia, desde muito antes.

As velas acesas,
Mãos quentes,
Cera derretida
Naquelas noites suarentas,
Fantasmagóricas,
Quando centenas de pessoas,
Caminhavam em duas longas fileiras,
repetindo num lamento decorado,
indecente e triste
pedidos para Deus.
Eu também fazia promessas...
Prometo não brigar mais com a minha irmã;
Prometo não mandar minha mãe à merda – nem em pensamento...
Prometo não perder a paciência...
Prometo não beliscar minha irmã...
Prometo não ter orgulho...
Ah, que coisa difícil!
Essa era a promessa mais dura,
Inacessível.
Como não ter orgulho das coisas boas que se tem?
Como não ter orgulho dos meus pensamentos? Dos meus desejos de criança?
Da inocência capenga, que se esvaía um pouco a cada dia?
Dos meus sonhos?
Sim, meus sonhos eram o quê de melhor eu tinha.
Naquela época, eu nem sonhava ainda em ser escriba...
E havia iniciado nos estudos pela voz esganiçada de dona Terezinha, insuportável
Mas no segundo ano primário, a bondade mudou-se para perto,
Porque Deus me deu a Dona Maria Amélia,
A mulher mais doce que conheci na vida,
Professora melhor da minha infância sem graça, onde tudo era proibido;
Não se podia rir,
Nem chorar,
Nem dançar,
Nem cantar alto,
Nem pensar em garotos
(mas eu e minha irmã íamos na missa só para admirar os meninos bonitos que ajudavam o padre a rezar sua missa)
Tia Luiza perguntava:
Fica quietinha na igreja, querida?
Fico não!
Eu não queria prometer aquilo que eu, aos três anos, sabia não poder cumprir...
Se Deus fosse se importar com as promessas não cumpridas
De seus fiéis...
Não haveria espaço no paraíso.
Mas, em mim...
Ainda há lugar para anjos –
E homens.

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