sábado, 29 de janeiro de 2011

Jururu de Sapará
                          Silvana Pimentel Batista

Para minha queridíssima irmã Cláudia Pimentel Batista Ribeiro... eu lhe devia esta explicacão...

Dizem que os livros raros vão acabar.
O monstro possui cara de cachorro e das ventas, caem uns tufos de cabelos que ele exibe trançados. Quem os trança?
A língua se arreganha e se estica tal qual língua de sogra, toda vez que late ou canta. Ele me dá bom dia quando me encontra, com voz macia, mas quando está cansado, as pernas se alargam em pulos que lembram um sapo. Da pele de crocodilo exala um cheiro de lama e de sujeira.
Quando o sol nasce, o monstro se espicha na grama do jardim e come dúzias de lírios – ele nunca dorme – passa os dias penteando o cabelo que pende de suas costas de homem, tal uma crina de cavalo. As unhas estão sempre imundas e a única vez que uma mulher as limpou com um canivete gigante, elas permaneceram limpas por dois segundos e tornaram-se sujas de novo. Os três olhos giram de formas distintas e o olho do meio da testa é preto e amendoado, tal qual o olho de um boi Nelore.
A boca vermelha lembra uma gueixa. Não tem orelhas, nem sexo. Se é macho, por que tem seios? Se é  fêmea, por que tem um órgão que pende entre as pernas?
A primeira vez que foi visto estava ao lado de um ovo preto, partido, sanguinolento e latia.
A cidade inteira acredita que ele come defuntos. Se ninguém o pega é porque não se tem certeza. As formigas lhe batem continências. Os tigres fogem apavorados ao pressentir sua aproximação. Os pássaros voam mais alto e não piam, por dias inteiros, percebem o perigo e se ele caminha por sobre a ponte, ao ouvi-lo os peixes pulam para fora do leito, decidem morrer sem ar pois preferem isto a arderem no inferno que se forma.
Dizem que se encontra, periodicamente com Hades e que ele também ama Perséfone e a doçura avassaladora que o mostro possui, encontra-se nela e ele a copia.
Quando late os homens se afastam.  E se está alegre e decide contar histórias, o povo se agrupa à sua volta, fascinado. Às vezes, se mostra como uma enorme centopéia, com mil pernas sincronizadas. Em outras, recolhe as mil pernas e usa as pernas longas de sapo.
Dizem também que foi por causa de Jururu de Sapará que Perséfone concorda em viver seis meses por ano no submundo. Suas histórias a encantam. Uma vez ele retalhou um coveiro em 900 pedaços e depois entrou numa catacumba e foi até o centro da Terra, se encontrar com Hades. Ele matou o coveiro porque este não permitiu que Sapará deixasse umas bolsas no cemitério.  Ele ofertou o coveiro, fatiado, ao Rei das Trevas. Depois, lavou-se com sangue e voltou à superfície. Há quem diga que ele não ama ninguém, nem a si mesmo.
De ano em ano, banha-se no rio e ao vê-lo aproximar-se os cavalos relincham, soltam das carroças e fogem apavorados. O rio seca por dois meses inteiros, depois que Jururu de Sapará se banha naquelas águas.
Aparece no alto do morro em forma de Papagaio gigante; em forma de coruja e ainda em forma de freira, quando o focinho diminui e seu rosto assume feições humanas - o terceiro olho é disfarçado por um hábito de religiosa, que enrola em volta de si, apenas o rabo não some... mas também, de longe, ninguém consegue enxergar.
Foi visto na última feira de livros da Praça Mauá. Passa todos os dias da sua vida comprando livros, negociando-os ao telefone, com voz macia. Quando os livros são entregues na torre em que vive, ele os ensaca em seis grandes sacos e sai a saltar até o cemitério do Cajú e os devora. Alimenta-se de livros empoeirados e afasta-se das pessoas para não asfixiá-las.   

2 comentários:

  1. Raphael Guimarãesdomingo, 30 janeiro, 2011

    Excelente Silvana! Adorei!
    Acho que vou ter pesadelos com o Jururu de Sapará
    Abraços
    Raphael Guimarães

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  2. Obrigada, Raphael!

    Que bom que você tenha gostado!

    Abs,

    Silvana

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