quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cidade Branca

Silvana Pimentel Batista
I
A moça dos dentes podres não cortou a grama quando o sol batia.
Cortou-a  agora quando a chuva gotejava.
O mundo em granizo.
Faz frio. Faz frio perto de um rio.
Do rio que sussurra,  secretos carinhos de amantes na relva.
Quisera ter meu amado para me contar histórias até que eu afundasse nos braços de Morfeu, segurando-lhe a mão.

Por que as roseiras exibem tantas rosas machucadas?
Sinto saudades da minha gata Florzinha me adorando de soslaio. Quero abraçá-la.
Vejo Baby, a Beegle envenenada num domingo de Carnaval.

Minha amiga discorre sensações, cortinas e pessoas.
Em mim desejo teima em berrar,
Desejo de ser. De ser mãe.
Mãe da minha filha, do filho da minha amiga.
Mãe do homem que amo, tal qual Madona.
Mãe da moça girafa que me detestava e que agora me ama.
Mãe dos órfãos, dos desprovidos de alma.
Mãe da chuva,
Mãe do vento,
Dos filhos que não tive, daqueles que nunca sentiram um beijo de amor.


II
Uma cidade branca, para abrigar a todos eles e em mutirões plantar,  colher, construir.
Nossos jardins?  Campos de tulipas, rosas de perfumes exóticos, jasmins, orquídeas, violetas.
No fogão uma panela a borbulhar.
O jantar uma festa, sopas, e pães e amor.
Tudo o que se quer... uma casinha branca.
E quando os filhos dos meus filhos nascessem
Eu os amaria. Seriam filhos da cidade branca onde a luz brilharia.
Filhos da alegria e da concórdia.
III
O rocio desce escondendo a montanha.
As roseiras balançam.
Os pés estão frios.
A tia morreu falsamente.
Que a reviva para cuidar dos filhos que crescerão em bondade e paz.

O fazendeiro de olhos verdes chorou, quando seu touro morreu.
O anjo loiro, de olhos azuis, se transformou no cirurgião da cidade Luz. Os pacientes melhoram com o olhar do médico anjo.

A tia reviveu.
Nos perdemos.
Nos reencontramos para gargalhar e entender porque nos afastamos durante tantos anos.
Sou viúva há 20 anos...Sou viúva há 20 anos.

Na  cidade branca seríamos mães e pais, uns dos outros,
Maria, mãe de dez, que criou mais cinco e lhe sobrava amor para me amar.
Raimunda que morreu aos 98 anos e foi me visitar,  que me apareceu em sonho e me  disse: estou indo mas vim me despedir de você. Se foi para sempre.

Inês, a italiana porque nasceu num navio. Italiana que nunca pisou na Itália que amava  crianças, como mãe que nunca foi, e distribuía dinheiro aos pobres.

IV

O fogo, a lenha verde estalando, derretendo por dentro o coração,
O suor. A cidade brilhando.
A mulher que conta histórias de monstros bonitos,
de deuses pagãos, de mulheres-garças, de bailarinas sem as pernas,
da velha com sensualidade de adolescente,
do rapaz que come o sol e que transforma em ouro seus fios de cabelo.

Meus pés estão frios.
Precisam de outros pés que os aqueçam,
Queria dançar, para aquecê-los, sem parar.
Com música, sem música, com par, sem par, na festa, na floresta, na rua.
Sozinha, para todos e para ninguém.
V
Um pássaro me acordou  ontem e antes de ontem
mas os beija-flores se exibem,
Os botões das rosas preparam a gestação.
Os jasmins colhidos pelo menino, nas taças de cristal, perfumam as mesas.
Queria cobrir o corpo do meu amor com jasmim,
quando não tivesse mais nenhuma flor sobre ele.
Restaria-lhe o perfume sobre a pele.
E eu o beijaria como jamais beijei um homem.
VI
Rimos tal crianças, na festa de natal.
Cheira o cobertor!!! Cheira o cobertor!!!
Eramos cinco, irmãos, amigos verdadeiros.
Ovelhas e pastores, todos, de todos.
Tenho raiva de cada menino que beliscou meus irmãos
e sou amiga daqueles que os protegiam.
Na festa estavam também o Jururu de Sapará...
E o Fêz-a-cruz... que nem tinha feito.

O primeiro namorado morreu de enfarto,
mas o anel que ele me deu não era de vidro. 
Perdeu-se como se perdem as esperanças,
Desilusões que aparecem dia após dia.
A mulher que separou do marido de tanto que ele bebia ainda pensa que é coitadinha.
Mania da coitadice,
Depois de 18 anos, dezenas de amigas não são suficientes.
Nega e flagela-se.
VII
Anseio por um ano incerto e cheio de viagens com minha filha...
E um amor,
para aprender mais do que ensinar.
“Só sei que nada sei”, tal qual Sócrates.
Preciso daquilo que  não se pode comprar.
Viajarei procurando meus caminhos...
Caçando minha verdade, com lupa na mão e bornal de escoteiro.
Tenho direito aos meus desejos.
Minha verdade e meus desejos pertencem apenas a mim.

3 comentários:

  1. Olá, Silvana!
    Adorei 'Cidade Branca'. Como gostaria de escrever assim! bj!

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  2. Oi Hugo!

    Obrigada! Fico contente que tenhas gostado do meu
    "Cidade Branca."
    Tem ido na reunião do DL? Nunca mais fui...
    Abs,

    Silvana

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  3. Oi Silvana!
    Fui sim, foi muito bom rever a todos. Apareça lá no próximo, será nos dias 11, 12 e 13/02, para matar saudades e conversarmos.
    Bjs!
    Hugo

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